terça-feira, 27 de setembro de 2011

Saiu na Revista .

Médiuns: O que a ciência tem a dizer sobre a mediunidade?

Os cientistas acreditam que o cérebro explica a mediunidade, mas não saberm dizer como.

De repente, coisas estranhas ocorrem. A pessoa vê vultos inexplicáveis, ouve vozes de gente que não aparece ou faz previsões que, de tão acertadas, não parecem ser apenas coincidência.

Depois dos momentos de susto, chega a hora de deixar de negar o fenômeno e tentar conviver com ele.

Os brasileiros que acreditam ter dons mediúnicos geralmente procuram centros espíritas há 14 mil deles no país e acabam conhecendo gente com histórias parecidas. "Mas, quando a mediunidade é exuberante, você não pode evitá-la" , diz Marta Antunes, diretora da Federação Espírita Brasileira.

As imagens de espíritos ou a inspiração para escrever uma carta costumam aparecer do nada, como um déjà vu, na hora em que a pessoa menos espera. É como dizia o médium Chico Xavier: "O telefone toca sempre de lá para cá".

Na tentativa de ligar daqui para lá, muitas religiões do planeta criam rituais e provocam um momento de êxtase: o transe. Para os médiuns, o transe é o ponto alto de sua habilidade, quando conseguem incorporar um espírito.

Já para os psiquiatras, é um estado alterado de consciência, assim como a hipnose, que se atinge após um longo processo de concentração. Rituais com danças frenéticas, mantras, estímulos luminosos, jejum prolongado e até plantas alucinógenas fariam o participante sair de si.

Uma boa forma de desvendar a mediunidade é entender como rituais levam ao transe e como o transe resulta nos relatos de contato com os espíritos. Por isso, os cientistas tentam estudar o que acontece no cérebro durante esse momento único.

A busca tem duas frentes. Numa delas há espíritas que tentam explicar e comprovar cientificamente a mediunidade. É o caso do psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira, professor de medicina e espiritualidade da USP e membro da Associação Médico-Espírita de São Paulo.

Segundo ele, a glândula pineal é a responsável pela interatividade com o mundo dos espíritos. Do tamanho de uma ervilha, a pineal fica no centro do cérebro e produz a melatonina, hormônio que regula o sono. "É um órgão sensorial capaz de converter ondas eletromagnéticas em estímulos neuroquímicos", diz. Oliveira acredita que as pessoas que dizem sofrer possessões têm na pineal uma quantidade maior de cristais de apatita, um mineral parecido com o esmalte dentário. Quanto mais cristais, maior seria a sensibilidade espiritual.




O poder dos médiuns

Como a ciência justifica as manifestações de contato com espíritos e por que algumas pessoas desenvolvem o dom
por Suzane Frutuoso fotos Murillo Constantino
O espiritismo é seguido por 30 milhões de pessoas no mundo. O Brasil é a maior nação espírita do planeta. São 20 milhões de adeptos e simpatizantes, segundo a Federação Espírita Brasileira no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2,3 milhões declararam seguir os preceitos do francês Allan Kardec, o fundador da doutrina. A mediunidade, popularizada pelas psicografias de Chico Xavier, em Uberaba (MG), ganhou visibilidade nos últimos anos na mesma proporção em que cresceu o espiritismo. Mas nada se compara ao poder da mídia atual, que permite debater os ensinamentos da religião por meio de livros, programas de tevê e rádio. Os romances com temática espiritualista de Zíbia Gasparetto, por exemplo, são presença constante nas listas de mais vendidos.
Embora não haja estatísticas de quantos entre os praticantes são médiuns, o que se observa é uma quantidade maior de pessoas que afirmam possuir o dom. O interesse pela religião codificada por Kardec é confirmado pelo recorde de público do filme Bezerra de Menezes o diário de um espírito, do cineasta Glauber Filho: 250 mil espectadores, desde o lançamento nos cinemas, em 29 de agosto. Um número alto para uma produção nacional. O longa, com o ator Carlos Vereza (também praticante do espiritismo) no papel-título, conta a história do cearense que ficou conhecido como “médico dos pobres”, se tornou ícone da doutrina e orienta médiuns em centenas de centros a se dedicar ao bem e à caridade.
PSICOGRAFIA
Instrumento por meio dos livros

A psicóloga Marilusa Vasconcelos, 65 anos, de São Paulo, é conhecida no espiritismo pela sua vasta literatura psicografada. Em 40 anos de dedicação à mediunidade, publicou 61 livros. Seu orientador é o espírito do poeta Tomás Antonio Gonzaga, que participou da Inconfidência Mineira. A dedicação à psicografia levou Marilusa a fundar em 1985 a Editora Espírita Radhu, sigla para renúncia, abnegação, desprendimento e humildade, a base dos ensinamentos na doutrina. Ela reúne outros dons, como ouvir, falar e enxergar espíritos e ser instrumento deles na pintura mediúnica. “Os vários tipos surgiram desde a infância”, conta Marilusa, que nasceu numa família espírita. “O controle da mediunidade é indispensável. O médium não é joguete do espírito. Eles interagem, num acordo mútuo de tarefa.”

Os espíritas dizem que todas as pessoas têm algum grau de mediunidade. Qualquer um seria capaz de emitir pensamentos em forma de ondas eletromagnéticas que chegariam a outros planos. O que torna algumas pessoas especiais, segundo os praticantes, a ponto de se transformarem em canais de comunicação com os mortos, é uma missão designada antes mesmo de nascerem, determinada por ações em vidas anteriores e que tem na caridade o objetivo final. “É uma tarefa em favor da evolução de si mesmo e da ajuda ao próximo”, diz Julia Nesu, diretora do departamento de doutrina da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Fenômenos relacionados a pessoas que falavam com mortos e envolvendo objetos que se mexiam são relatados desde o século XVII, tanto na Europa quanto nas Américas, mas hoje cientistas tentam compreender o fenômeno. Algumas linhas de pesquisa mostram que o cérebro dos médiuns é diferente dos demais.

São cinco os meios de expressão da mediunidade. 

A psicografia, que consagrou Chico Xavier, é a mais conhecida. Nela, o médium escreve mensagens e histórias que recebe de espíritos. Estaria sob o controle deles o que as mãos transcrevem. 

A vidência permite enxergar os mortos que não conseguiram se desvencilhar da Terra ao não aceitarem a morte ou que aparecem para enviar recados a entes queridos. 

Na psicofonia, o sensitivo é capaz de ouvir e reproduzir o que os espíritos dizem e pedem. 

A psicopictografia, ou pintura mediúnica, permite ao médium ser instrumento de artistas desencarnados (termo usado pela doutrina para designar mortos). 

A mediunidade da cura é responsável pelas chamadas cirurgias espirituais. Não é incomum um mesmo indivíduo reunir mais de um tipo de dom.
VIDÊNCIA
Ver e auxiliar aqueles que estão em outro plano

Aos cinco anos, o chefe de faturamento hospitalar Ivanildo Protázio, de São Paulo, 49 anos, pegava no sono com o carinho nos cabelos que uma senhora lhe fazia todas as noites. Descobriu tempos depois que era a avó, morta anos antes. Aos 19 anos, os espíritos já se materializavam para ele.“Nunca tive medo. Sempre me pareceu natural.” A mãe, que trabalhava na Federação Espírita, o encaminhou para as aulas em que aprenderia a lidar com o dom. Hoje, Protázio é professor de educação mediúnica. Essa é uma parte da sua missão. A outra é orientar os espíritos que lhe pedem auxílio para entender o que aconteceu com eles. A oração é o remédio. “Os espíritos superiores me ensinaram a importância da caridade para nossa própria evolução.”

A reportagem de ISTOÉ presenciou uma manifestação mediúnica em Indaiatuba, interior de São Paulo. O tom de voz baixo e os gestos delicados de Solange Giro, 46 anos, sugeriam que ela carrega certa timidez ao expor a própria vida numa conversa com um estranho. Cerca de duas horas depois, porém, é difícil acreditar no que os olhos vêem. Diante de uma tela em branco, sobre uma mesa improvisada com dezenas de tubos de tinta, a mulher começa a pintar um quadro na seqüência de outro. O tempo gasto em cada um não passa de nove minutos. As obras são coloridas e harmoniosas. “Nunca fiz aula de artes. Mal conseguia ajudar meus filhos com os desenhos da escola”, diz, minutos antes da apresentação. A discreta Solange dá lugar a uma pessoa que fala alto, canta e encara os interlocutores nos olhos, com ar desafiador. A assinatura nas telas não leva seu nome, mas de artistas famosos e já mortos , como Monet, Mondrian e Tarsila do Amaral. Seria uma interpretação digna de uma atriz? Talvez. O que difere o momento de uma encenação é subjetivo e dá margem a dezenas de explicações convincentes ou não. Talvez seja possível encontrar respostas no que a artista diz a cada uma das pessoas da platéia presenteadas com um dos dez quadros produzidos na noite. Enquanto entregava a obra, ela desferia características e situações de vida de cada um absolutamente desconhecidas dela. O mentor que a guia é o médico holandês Ernst, que viveu no século XVII. A sensitiva garante que era ele, não ela, quem estava presente na pintura dos quadros.

Nem sempre é fácil aceitar a mediunidade, que pode causar medo quando começa a se manifestar. 
“Ainda hoje não gosto quando vejo o possível desencarne de alguém. Nestas horas, preferia não saber”, conta a psicóloga Marilusa Moreira Vasconcelos, 65 anos, de São Paulo, que psicografa. O médium de cura Wagner Fiengo, analista fiscal paulistano, 37 anos, chegou a se afastar da doutrina. “Aos 13 anos não entendia por que presenciava aquilo.” Para manter a sanidade e o equilíbrio, as pessoas que possuem dons e querem fazer parte da religião espírita precisam se dedicar à educação mediúnica. O curso leva cinco anos. Inclui os ensinamentos que Allan Kardec compilou no Livro dos Espíritos a obra que deu base ao entendimento da doutrina e no Livro dos Médiuns que explica quais são os tipos de mediunidade, como eles se manifestam e os cuidados a serem tomados. Entre eles, o combate a falhas de comportamento, como vaidade, orgulho e egoísmo. O Espiritismo prega que as imperfeições da personalidade atraem espíritos com a mesma vibração.
“O pensamento é tudo. Aqueles que pensam positivo atrairão o que é semelhante. O mesmo acontece com o pensamento negativo e os vícios. Quem gosta de beber, por exemplo, chama a companhia de espíritos alcoólatras”, afirma o professor de educação mediúnica Ivanildo Protázio, 49 anos, de São Paulo, que tem o dom da vidência.

PSICOFONIA
Falar o que os espíritos querem dizer

A intuição do servidor público Geraldo Campetti, 42 anos, de Brasília,começou na infância. Ele tinha percepções inexplicáveis, das quais mais ninguém se dava conta. Era como se absorvesse sentimentos que não eram seus. Apenas identificava que existia algo além do que seus olhos enxergavam. Até que as sensações começaram a tomar forma. Campetti passou a ouvir súplicas de ajuda. De espíritos, inconformados com a morte. Aos 29 anos, não se assustou. De família espírita, conhecia a mediunidade. “Mas sabia que precisava estudar para manter o equilíbrio”, diz. Hoje diretor da Federação Espírita Brasileira, afirma ter controle sobre o dom de ouvir e transmitir recados dos mortos. Eventualmente, um espírito pede uma mensagem à pessoa com quem ele conversa. “Isso é espontâneo, não da minha vontade.”

Imaginar que convivemos no cotidiano com pessoas que estão mortas vai além da compreensão sobre a vida pelo menos para quem não acredita em reencarnação. Mas até na ciência já existem aqueles que conseguem casar racionalidade com dons espirituais. Esses especialistas afirmam que a mediunidade é um fenômeno natural, não sobrenatural. E que o mérito de Allan Kardec foi explicar de maneira didática o que sempre esteve presente e registrado desde a criação do mundo em todas as religiões. O que seria, dizem os defensores da doutrina, a anunciação do Anjo Gabriel a Maria, mãe de Jesus, se não um espírito se comunicando com uma sensitiva?
Apesar desse contato constante, os mortos, ou desencarnados, como preferem os espíritas, não aparecem em “carne e osso”. A ligação com o mundo dos vivos seria possível graças ao perispírito, explica Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira. “Ele é o intermediário entre o corpo e o espírito. A polpa da fruta que fica entre a casca e o caroço.” O perispírito seria formado por substâncias químicas ainda desconhecidas pelos pesquisadores terrenos, garantem os adeptos do espiritismo. “É a condensação do que Kardec batizou como fluido cósmico universal”, afirma o neurocirurgião Nubor Orlando Facure, diretor do Instituto do Cérebro de Campinas. Nas quatro décadas em que estuda a manifestação da mediunidade no cérebro, Facure mapeou áreas cerebrais que seriam ativadas pelo fluido.

CURA
Cirurgias sem dor nem sangue

O primeiro espírito a se materializar para o analista fiscal Wagner Fiengo, 37 anos, de São Paulo, foi de um primo. Ele tinha dez anos, teve medo e se afastou. Mas, na juventude, um tio, seguidor da doutrina, avisou que era hora de ele se preparar para a missão que lhe fora reservada. Por meio da psicografia, seu guia espiritual, o médico Ângelo, informou que teriam um compromisso: curar pessoas. Ele não foi adiante. Uma pancreatite surgiu sem que os médicos diagnosticassem os motivos. Há quatro anos, seu guia explicou que as doenças eram ajustes a erros que Fiengo havia cometido numa vida passada. A missão era a forma de equilibrar a saúde e a alma. Em 2004, iniciou as cirurgias espirituais. Ele diz que não é uma substituição ao tratamento convencional. “É um auxílio na cura de fatores emocionais e físicos.”

Comprovar cientificamente a mediunidade também é objetivo do psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira, professor de medicina e espiritualidade da Faculdade de Medicina da USP e membro da Associação Médica-Espírita de São Paulo. Com exames de tomografia, ele analisou a glândula pineal (uma parte do cérebro do tamanho de um feijão) de cerca de mil pessoas. “Os testes mostraram que aqueles com facilidade para manifestar a psicografia e a psicofonia apresentam uma quantidade maior do mineral cristal de apatita na pineal”, afirma Oliveira. Ele também atende, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, casos de pacientes de doenças como dores crônicas e epilepsia que receberam todos os tipos de tratamento, não tiveram melhora e relatam experiências ligadas à mediunidade. “Somamos aos cuidados convencionais, como o remédio e a psicoterapia, a espiritualidade, que vai desde criar o hábito de orar até a meditação. E os resultados têm sido positivos.” Uma pesquisa de especialistas da USP e da Universidade Federal de Juiz de Fora, publicada em maio no periódicoThe Journal of Nervous and Mental Disease, comparou médiuns brasileiros com pacientes americanos de transtorno de múltiplas personalidades (caracterizado por alucinações e comportamento duplo). Eles concluíram que os médiuns apresentam prevalências inferiores de distúrbios mentais, do uso de antipsicóticos e melhor interação social.
A maior parte dos cientistas acredita que a mediunidade nada mais é do que a manifestação de circuitos cerebrais. Alguns já seriam explicáveis, como os estados de transe. Pesquisas da Universidade de Montreal, no Canadá, e da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, comprovaram que, durante a oração de freiras e monges católicos, a área do cérebro relacionada à orientação corporal é quase toda desativada, o que justificaria a sensação de desligamento do corpo. Os testes usaram imagens de ressonâncias magnéticas e tomografias feitas no momento do transe.
A teoria seria aplicável ao transe mediúnico, quando o médium diz incorporar o espírito e não se lembra do que aconteceu. Pesquisadores da Universidade de Southampton, na Inglaterra, estudaram pessoas que estiveram entre a vida e a morte e relataram se ver fora do próprio corpo durante uma operação ou entrando em contato com pessoas mortas. Os estudiosos concluíram se tratar de um fenômeno fisiológico produzido pela privação de oxigênio no cérebro. Trabalhando sob stress, o órgão seria também inundado de substâncias alucinógenas. As imagens criadas pela mente seriam apenas a retomada de percepções do cotidiano guardadas no inconsciente.
PSICOPICTOGRAFIA
Milhares de quadros pintados

Criada numa família católica, Solange Giro, 46 anos, de Parapuã, interior de São Paulo, teve o primeiro contato com o espiritismo aos 20 anos, ao conhecer o marido. Ele, que perdera uma noiva, buscava o entendimento da morte. Já casada e com dois filhos, passou a sofrer de depressão. Encontrou alívio na desobsessão (trabalho que libertaria a pessoa de um espírito que a domina). A mediunidade dava os primeiros sinais. Logo passou a ouvir e ver espíritos. O dom da psicografia veio em seguida. Era um treino para ser iniciada na pintura mediúnica. “Pintei cinco mil quadros no primeiro ano. Estão guardados. Não tive autorização para mostrálos”, conta Solange, que diz nunca ter estudado artes. Nos últimos 13 anos, ela recebeu aval de seu mentor para vender os quadros. O dinheiro é revertido para a caridade.

O psiquiatra Sérgio Felipe Oliveira rebate a incredulidade. “Se uma pessoa está em cirurgia numa sala e consegue descrever em detalhes o que ocorreu em um ambiente do outro lado da parede, é possível ser apenas uma sensação?” Essa é uma pergunta que nenhuma das frentes de pesquisa se arrisca ou consegue a responder com exatidão. Da mesma maneira que todos os presentes à sessão de pintura em Indaiatuba saíram atônicos, sem conseguir explicar como alguém que conheceram numa noite foi capaz de decifrar suas angústias mais inconfessáveis.




As Crianças e o Além


Surpresa: sem que ninguém lhe contasse, Roberto sabia de detalhes sobre a bisavó que morreu antes de ele nascer.


Revista ISTOÉ 
Edição 1942 – 17/01/2007 
Por Camilo Vannuchi e Celina Côrtes
Matéria: As crianças e o Além. Relatos de comunicação com espíritos revelam que a mediunidade é comum na infância. E os pais precisam aprender a lidar com a situação.
Observação: A imagem faz parte do próprio Artigo da Revista.

Se deseja compartilhar e divulgar estas informações, reproduza a integralidade do texto e cite o autor e a fonte. Obrigada. Hospital Espiritual do Mundo

As Crianças e o Além
Por Camilo Vannuchi e Celina Côrtes

Relatos de Comunicação com Espíritos revelam que a Mediunidade é comum na infância. E os pais precisam aprender a lidar com a situação.

Surpresa: sem que ninguém lhe contasse, Roberto sabia de detalhes sobre a bisavó que morreu antes de ele nascer.

Diana embalava o filho em frente a uma parede repleta de fotos na casa de sua mãe, em Brasília. Uma delas, envelhecida pelo tempo, chamou a atenção do pequeno Roberto, então com pouco mais de um ano. O garoto apontou a jovem que aparecia no retrato: “Vovó.” A mãe achou estranho. “Sim, esta era a minha avó, sua bisa”, explicou. E perguntou como ele adivinhara, já que ninguém havia mostrado aquela imagem ao menino. Roberto apenas tocou o colo da moça no retrato. “Dodói”, disse. Na foto, nenhum machucado aparente. O assombro tomou conta da sala quando Liana se recordou que a avó, já idosa, faleceu em decorrência de um câncer de mama. “Meu filho sabia daquilo sem que ninguém tivesse lhe contado”, resume o pai, Ricardo Movits. Ninguém deste mundo, é bom ressaltar. 

Antes de tachar a história do menino Roberto de mentira, fantasia ou maluquice, vale lembrar que Chico Xavier, o maior médium brasileiro, teve sua primeira experiência mediúnica aos cinco anos, quando sua mãe faleceu e, em espírito, passou a visitá-lo. Roberto, hoje com quatro anos, também diz receber a visita de parentes falecidos. E de modo assíduo. Contou que a avó freqüenta sua casa para lhe ensinar coisas sobre a vida e a morte. “Ela disse que as pessoas que morrem viram anjinhos e depois voltam a ser bebês”, afirma. Em outra ocasião, Roberto surpreendeu o pai ao comentar que o avô havia morrido porque fumava demais. “Entrou muita fumaça no peito dele”, completou. Essas supostas habilidades do menino poderiam ser explicadas por meio da mediunidade. Estudada por religiosos, psiquiatras e até neurologistas, a mediunidade é a capacidade de ver e ouvir espíritos ou realizar fenômenos paranormais – como incorporação e clarividência – por intermédio de agentes externos. Ou seja, de entidades espirituais que utilizam o corpo do médium como veículo para se manifestar. 

Relatos desse tipo são cada vez mais comuns. Mesmo nos consultórios. A psicologia e a medicina, no entanto, buscam outras formas de justificar esses fenômenos. Se a criança parece possuída por uma entidade sobrenatural, por exemplo, é feito diagnóstico de transtorno de personalidade ou estado de transe e possessão, cujo tratamento alia psicoterapia e medicamentos. A comunicação com amigos invisíveis aos olhos dos pais costuma ser encarada como mera fantasia. “Há momentos em que a ilusão predomina e a criança transforma em real o que é apenas o seu desejo inconsciente”, considera a psicanalista Ana Maria Sigal, coordenadora do grupo de trabalho em psicanálise com crianças do Instituto Sedes Sapientiae. “Ao brincar com um amigo imaginário, ela nega a solidão e cria um espaço no qual é dona e senhora. Já falar com parentes falecidos é uma forma de negar uma realidade dolorosa e se sentir onipotente, capaz de reverter a morte”, acrescenta Ana Maria.

A interpretação é a mesma da maioria dos pediatras. Presidente do Instituto da Família, que estuda as relações familiares, o médico Leonardo Posternak afirma que esse tipo de fantasia permite à garotada chamar atenção. Segundo ele, as crianças percebem se os pais demonstram admiração por seu suposto dom. Ou se aproveitam do carinho especial recebido quando os pais desconfiam que o filho tem algum distúrbio psíquico. Mas e quando surgem fatos capazes de assombrar os mais céticos, como o pequeno subitamente falar outra língua? “É importante que sejamos humildes para admitir que muita coisa ainda escapa à medicina cartesiana. Em vez de dizer aos pais que o filho não tem nada ou que os sintomas vão passar, seria mais honesto dizer que a medicina vigente não é capaz de diagnosticar o que se passa com ele”, afirma Posternak. O presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Pediatria Infantil, César de Moraes, lembra que o estado de transe e possessão, embora citado no Código Internacional de Doenças, ainda não foi esclarecido. “Pode resultar de alguma desordem física ou mental ou, de fato, ser obra do sobrenatural”, sugere. 

No vácuo deixado pela medicina, avançam cada vez mais as explicações alternativas que conciliam ciência e transcendência. Se uma criança descreve e dá nome a um amigo imaginário e a família descobre, ao investigar, que a descrição corresponde à de uma pessoa de verdade, que habitou a casa no passado, a linha entre ficção e realidade desaparece. É o que assegura Reginaldo Hiraoka, coordenador do curso de parapsicologia das Faculdades Integradas “Espírita”, a única do gênero no Brasil, em Curitiba.

“O mesmo ocorre quando crianças afirmam se lembrar de vidas passadas e citam episódios verídicos sem jamais terem ouvido algo a respeito”, acrescenta.

Para estudiosos da parapsicologia, há uma alta freqüência de relatos sobrenaturais na infância devido ao fato de a mediunidade, inata a todas as pessoas, ainda não ter sido reprimida nessa fase. “Crianças com menos de sete anos não vêem nada de anormal nessas experiências”, afirma a psicóloga infantil Athena A. Drewes, consultora da Parapsychology Foundation, com sede em Nova York. “Elas as aceitam até que outras pessoas comecem a reagir negativamente a seus relatos. O bloqueio ocorre ao entrarem na escola e descobrirem que nem todos vivem as mesmas experiências.”

Mas nem sempre a convivência com o sobrenatural é tranqüila. Às vezes, os amiguinhos imaginários são substituídos por monstros que atrapalham o sono dos pequenos e os tornam arredios, agressivos ou profundamente tímidos. Como no filme Sexto sentido, de Night Shyamalan, crianças se dizem assombradas por imagens de espíritos que vagam com ferimentos ou fraturas expostas, exatamente como estavam quando morreram.

Segundo a doutrina espírita, isso acontece quando os espíritos desencarnados não conseguem se desprender do plano físico, seja por não terem se dado conta da morte, seja por não a aceitarem. Também é possível que um espírito persiga uma criança por ter sido ligado a ela em uma vida pregressa. “Imagine se seu bebê foi uma pessoa má na encarnação anterior e prejudicou alguém que, agora, se sente no direito de atrapalhar seu caminho”, cogita a autora do livro Mediunidade em crianças, Agnes Henriques Leal. Conforme a tese espírita, é possível que esse filho sofra horrores com a influência de seres assustadores. 

Nessas horas, de acordo com o espiritismo, a criança deve ser encaminhada a tratamento com passes para dispersar energias negativas. Os espíritas podem ainda trazer a entidade a uma reunião no centro – por intermédio de um médium – para tentar demovê-la da perseguição. Leituras diárias do Evangelho também ajudariam. “Se os pais não participarem do processo de cura, nada será atingido. Para tanto, deverão conhecer a doutrina e se dispor a estabelecer, no lar, um clima vibratório de harmonia e paz”, ensina o médium paraense Nazareno Tourinho, autor de Experiências mediúnicas com crianças e adolescentes. Ele ressalta, no entanto, que nenhum auxílio científico deve ser desprezado. “Primeiro, deve-se procurar um profissional de saúde. Se o resultado não for satisfatório, resta buscar ajuda de espíritas competentes”, orienta.

Outra opção é consultar um especialista que seja ao mesmo tempo médico e religioso. Há muitos psiquiatras adeptos do espiritismo que atendem crianças e adultos atormentados por fenômenos inexplicáveis. Um deles é Sérgio Felipe de Oliveira, diretor da Associação Médico-Espírita de São Paulo e autor da tese de que a mediunidade nada mais é do que uma atividade sensorial – como a visão e o olfato – capaz de captar estímulos do mundo extrafísico. O órgão responsável pela mediunidade, diz Oliveira, é a glândula pineal, localizada no cérebro, que controla também o ritmo de crescimento e, na adolescência, avisa a hora de dar início à liberação dos hormônios sexuais.

Descrita por Descartes como a sede da alma em 1641, a pineal tem sido pesquisada há séculos, e, desde a década de 1980, é comprovada sua capacidade de converter ondas eletromagnéticas em estímulos neuroquímicos. Para confirmar sua tese, Oliveira realizou diversos exames neurológicos (como tomografia e eletroencefalograma) em pacientes em transe. “Verificamos a atividade na pineal durante esses momentos. Ela é uma espécie de antena que capta estímulos da alma de outras pessoas, vivas ou mortas, como se fosse um olho sensível à energia eletromagnética”, diz.

Mesmo que não veja ou ouça espíritos desencarnados, é a mediunidade que faz com que uma criança seja capaz de sentir se um ambiente está carregado e a faz chorar quando um estranho com energias ruins a pega no colo. Em sua clínica, Oliveira não descarta o uso de medicamentos, mas não tem dúvida dos benefícios da atividade espiritual, prescrita por ele como terapia complementar. Oliveira diz que, antes de se afirmar que uma criança está sob influência de um espírito, é preciso descartar as hipóteses de fantasia e de distúrbios psíquicos. A primeira etapa é entrevistar o paciente em busca de elementos que não poderiam ser ditos por ele. “É difícil diagnosticar como fantasiosa uma criança de três anos que se põe a analisar quadros de Botticelli ou a conversar em francês sem nunca ter estudado o idioma”, exemplifica. Finalmente, exames neurológicos são feitos para se verificar se a atividade no cérebro é equivalente à registrada em convulsões ou surtos de epilepsia. Normalmente, a reação é outra.

Médicos adeptos do espiritismo afirmam que a infância é o período em que a ação da glândula pineal está no auge, embora a criança não tenha o arcabouço intelectual necessário para interpretar os estímulos de forma consciente. Com o desenvolvimento completo do cérebro, a mediunidade seria sublimada na maioria das pessoas. Ou voltaria ainda mais forte naqueles que aprenderam a exercitá-la. No Livro dos médiuns, Allan Kardec, codificador da doutrina, avisa que a mediunidade não deve ser estimulada em crianças, o que pode ser perigoso, já que os organismos delicados das crianças sofreriam grandes abalos. “É de se desejar que uma criança dotada de faculdade mediúnica não a exercite, senão sob a vigilância de pessoas experientes”, escreveu. Por esse motivo, em geral os pais são orientados a não incentivar os filhos a exercê-la. “Muitas crianças sentem dor porque o corpo não está preparado para receber esse impacto”, diz a psicóloga Inês Ignácio, do Centro Espírita Francisco de Assis, no Rio de Janeiro.

Em outras religiões espiritualistas, como candomblé e umbanda, a presença de crianças nos rituais costuma ser permitida. Muitos templos oferecem acompanhamento adulto para a iniciação. “É preciso freqüentar o centro como se fosse uma escola”, alerta Aguinaldo Cravo, adepto do candomblé e babalorixá na Casa de Caridade Cabana de Oxossi, no Rio de Janeiro.

Crianças também exercem sua religiosidade nas giras de umbanda do Templo Cacique Pai Pena Branca, em São Paulo. “Algumas já têm um canal de vidência elevado, enquanto outras só vêem vultos e precisam desenvolver seu dom”, diz a ialorixá Mãe Norma de Iansã, que oferece aos domingos um curso de mediunidade aberto às novas gerações. Delas surgirá, quem sabe, um novo Chico Xavier.